Quem acompanha meu trabalho sabe que sempre acreditei nos processos de 'empoderamento' e infelizmente, ao meu ver, os rumos que o projeto (diretrizes e valores) foi tomando não condizia com o que acreditava.
Inclusive somente depois de um bom tempo, é que venho escrever (explicar) sobre minha saída da Instituição e a paralisação do blog. Sempre me envolvo com os projetos, eles são viscerais, principalmente por ser uma relação com pessoas é impossível fazer este trabalho sem vínculos afetivos e desta forma o desligamento sempre é uma perda... por isso meu silêncio!
Vamos ao caso:
Durante o segundo semestre de 2007 realizei um trabalho com um grupo de adolescentes, que ao serem 'entregues a mim' foi esclarecido o quanto era impossível realizar qualquer coisa com elas.
Foi um grupo de meninas mais sensacional que vivenciei, com quem trabalhei. Elas eram cheias de vontade, expressavam um modo de ser, curiosas com o mundo, questionadoras... haviam uma pulsão de vida incrível no grupo. O que, talvez, para os educadores fosse um problema, no sentido, que não há solução. Uma dificuldade que impediria qualquer sucesso do grupo- dentro dos molde estabelecido pela Ong - literalmente um projeto de inclusão - uma formatação do Ser para servir a estrutura dominante, sem nenhum pensamento crítico ou questionador.
Trabalhei com o grupo todo o semestre e no final, várias das participantes concluíram seus projetos de vestimentas. Foi super legal, era possível problematizar e discutir com o grupo vários aspectos do cotidiano, construções de visão de futuro, possibilidades de realização.
No final de 2007 sugeri que além do trabalho com a meninas, deveríamos fazer uma trabalho com um grupo de adultas, propus um projeto de geração de renda. Foi aí que começou o nó.
No início de 2008 foi comunicada que haveria um grupo de adultas pela manhã. A idéia era formar uma cooperativa de trabalho. Entretanto a grade de atividade do curso em Moda, para as adolescentes seria mantida da mesma forma para o grupo da manhã. Com um detalhe, em menos tempo, a metade dos encontros. Eu fazia a prática e a outra educadora teoria em moda.
Se já havia proposto uma outra atividade é pela necessidade de propor outra metodologia de ação. Mas parece-me que ninguém me entendeu. Inclusive o dialogo que já era truncado se tornou impossível.
Não houve uma discussão sobre os objetivos, de como fazer e porque fazer. Como educadora me senti perdendo meu fazer, passei a ser uma ferramenta que o outro manipula conforme suas necessidades e interesse.
Por fim, a proposta da Ong era organizar uma cooperativa de costureiras para realizar o trabalho de costura, apenas costura, de sacolas para as grandes redes varegistas. Todo o processo intermediado pela Ong, sem transferência de conhecimento e técnica, sem autonomia. O grupo seria fornecedor de mão-de-obra.
Ao meu ver, um proposta de externalizar custos, baratear a produção, com o discurso de fazer o bem. Entretanto em nenhum momento houve uma discussão sobre autonomia, gerência e criação de produtos. Toda mediação - produtores/mercado seria realizada pela Instituição, ficando o grupo cooperado somente com a parte da execução da produção.
Um equívoco...
A proposta da formação, especificamente para grupo de adolescentes foi mal elaborada pois a faixa etária era incompatível com a proposta - formação profissional, com enfase no empreendedorismo com meninas de 12 a 18 anos. Com o grupo adulto não havia formação para o cooperativismo, formação de conceitos de autonomia, associativismos, grupo produtivo, processo de produção, gestão e financiamento de empreendimentos.
Outro problema comum aos dois grupo era a rotatividade das participantes - todo dia havia uma educanda nova e outra que deixava de participar. Era sempre um começo... e o fim.
Além destes fatos que complicaram, tornaram impossível a inter-relação (eu/instituição) havia a falta de empatia com o grupo de adolescentes.
Era uma grupo apático, não consegui estabelecer dialogo. Parecia estar ali para cumprir tabela. As meninas não tinham interesse pelo fazer- costurar, bordar. Apenas algumas se envolveram com as atividades. E tudo foi se tornando um peso.
escrevi isso em 28/07/08
Hoje foi o retorno da aulas e para mim foi como ir para o matadouro... desde o início do ano percebi que havia tomado uma decisão errada (...) A aula com a s meninas foi a mesma coisa. Aquele desânimo!
Nas aulas de Ética, cidadania e comunicação eu tinha mais respostas aos estímulos, mas mesmo assim eram sem vida - quase mortas, mas ali estávamos num dialogo mudo e de percepções veladas.
Madalena Freire tem um poema que fala bem disto tudo:
O FIO DA PERGUNTA
Vôo rasante, aviamento de olhar perdido, franzido de mal-estar, represado de divergência entre dentes, suspenso, buscando equilíbrio, bamboleando no fio solto, pelo espaço da sala.
Perguntas suspensas entre o céu e a terra no mar velado dos "não sei", "não estou entendendo nada!", "onde esta o fio?", "cadê o começo?", "onde é a entrada?", "tem saída?".
Quero, "vamos fugir! Vamos fugir deste lugar!".
Caos, crise, cai da cama, da canoa, do buraco da nuvem, do salto alto.
Perdi meu travesseiro, minha âncora, meu domínio ordinário de mim mesma.
Quero, "Vamos fugir para outro lugar, para onde quer que você vá"
eu quero IR!
eu quero IR!
Por fim, tudo passou... ficou para trás como um vivência capaz de produzir muita reflexão.
"aqueles que ignoram a história são condenados a repeti-la" - Walter Benjamin.
E o presente continua em : http://caderno-campo1.blogspot.com